EVOLUÇÃO DO PARQUE INDUSTRIAL DE LATICÍNIOS NO ESTADO DA BAHIA.

A utilização do leite na alimentação humana no Estado da Bahia, começou no tempo de Thomé de Souza, primeiro Governador Geral do Brasil, ao chegar à Bahia para fundar a cidade de Salvador, pois já no ano seguinte mandou buscar nas ilhas de Cabo Verde, bovinos para a cidade recém fundada. Transportados na caravela Galga, 10 vacas foram destinadas para o "Colégio dos Meninos" especificamente visando a alimentação das crianças ali internadas.

A expansão do rebanho bovino na Bahia deu-se de forma acelerada por intermédio da família de Garcia D' Ávila, um dos pioneiros chegado com Thomé de Souza, o qual, partindo da "Casa da Torre", hoje município de Mata de São João, espargiu-se para todo o Nordeste do país. Evidentemente as fêmeas desses rebanhos, produziam de certa forma leite para as famílias dos vaqueiros e seus agregados, passando a ser comercializado nas povoações que iam surgindo.

Sem dúvida, outros importadores de bovinos, inclusive de Portugal, trouxeram o chamado "gado turino", conhecido por sua aptidão leiteira.

Salvador, como capital, aumentou seu espaço urbano com sua população sempre em crescimento, passando a depender o seu abastecimento de alimentos da área suburbana e rural, sobretudo a do chamado Recôncavo. O leite acertadamente acompanhou tal tendência, porém muito lentamente face a sua perecibilidade.

Desta forma, na própria área urbana existiam os chamados estábulos, principalmente em torno do Dique do Tororó e nos bairros do Barbalho, Soledade, Estrada da Rainha, Brotas e Cabula, os quais, no que pese as péssimas condições de higiene de produção, inclusive com precário estado sanitário dos animais, permaneceram comercializando leite cru até o final da década de 1960, competindo desonestamente com as indústrias que começaram a se instalar dentro das condições higiênicas preconizadas e com aplicação de tecnologia. Muitas indústrias vieram a falir em virtude dessa forte competição.

Paralelamente aos estábulos, Salvador era também abastecida pelo chamado "trem do leite", o qual, partindo no fim da manhã da cidade de Alagoinhas, ia coletando leite acondicionado em latões e quase congelado em salmoura, passando pelos municípios de Catú, Pojuca, Mata de São João e outras "estações" desses municípios, chegando a gare da Estrada de Ferro Leste Brasileiro, ainda hoje situada no bairro da Calçada, sendo unicamente, tomada a sua densidade e a sua acidez, neste ponto final da “linha”. Isto persistiu até o fim da década de 1960.

No ano de 1939, o médico Cícero Simões, empreendedor na criação de gado leiteiro, teve a iniciativa de estabelecer a primeira indústria de laticínios na Bahia, passando a pasteurizar e engarrafar o "Leite SALUS", em Mata de São João, remetendo para comercialização em Salvador por via férrea.

Vale lembrar que na década de 1940 o Governo do Estado teve a iniciativa de criar na cidade de Vitória da Conquista uma Escola de Laticínios objetivando o melhor aproveitamento da matéria prima daquela região. O empreendimento lamentavelmente malogrou anos depois.

Outro importante empreendimento do setor foi a implantação, no ano de 1946, da "Usina de Laticínios Sales" a qual funcionava no município de Alagoinhas como entreposto, coletando e congelando o leite e remetendo para Salvador, onde era pasteurizado e distribuído para estabelecimentos comerciais a granel. Outra parte devidamente pasteurizada era engarrafada e comercializada sob o nome de "Leite ULA", enquanto outra, fermentada, era vendida sob nome fantasia de "Coalhada Búlgara". A indústria de pasteurização funcionava no largo de Roma e a loja de comercialização direta ao consumidor, na área do Relógio de São Pedro, na rua 21 de abril. Este laticínio teve significativa importância histórica funcionando até o ano de 1961, quando foi incorporado pela ALIMBA.

Nesta fase histórica da pasteurização são anotados outros laticínios como: "Leite VIGOR" em Água Comprida (hoje Simões Filho), Laticínio UNIÃO de Mata de São João, que além de engarrafar, ensacou pela primeira vez leite em nosso Estado, produzia o conhecido "Leite MUCA". Outros laticínios seguiram-se, como a Indústria de Laticínios Feirense, de Feira de Santana, Leite ILBA, Laticínio Senhor do Bonfim que em Pojuca beneficiava o "Leite Bom", bem como o Laticínio de Conceição do Jacuípe que comercializava, sobretudo, para região de Feira de Santana.

Lamentavelmente o negócio do "leite clandestino", comercializado a granel em latões e vendido de porta em porta, de qualidade sanitária condenável e na sua grande parte fraudado, continuava a coexistir na sombra do leite industrializado, tudo com a complacência das autoridades sanitárias que não se faziam competentes para combater tal irregularidade, a qual continuava a competir com os estabelecimentos legais e tecnicamente instalados levando-os a encerrarem suas atividades.

No governo de Antonio Balbino, por intermédio da Comissão de Planejamento Econômico – CPE-, foi convidado a fazer um diagnóstico da produção e do abastecimento de leite para a cidade de Salvador, o médico veterinário Henrique Blanc de Freitas, conhecido especialista na área, o qual em 1957 escreveu um minucioso trabalho sob o título “O Abastecimento de Leite para Salvador”.

Baseado neste trabalho o Governo do Estado publicou o Decreto 16.947 de 19 de novembro de 1957 criando a Comissão Incorporadora do Entreposto de Leite da Bahia a qual composta de criadores e pessoal especializado da Cooperativa Central Instituto de Pecuária da Bahia e do Departamento de Produção Animal da Secretaria de Agricultura. Tinha como objetivo incorporar uma sociedade por ações de economia mista para realização e exploração de entreposto de leite na Capital, devendo ser obtido financiamento no recém criado Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial – FUNDAGRO.

No que se pese este forço governamental, o que aconteceu na realidade foi a criação em 1960, por iniciativa de particulares, da Produtos Alimentícios da Bahia, a qual adquiriu o “Leite ULA”, passando a comercializar o “Leite PAB”, pasteurizado e oferecido no mercado em sachê.

Por esta época foi instalada a AGROLACTOFABRIL em Salvador, especializando-se em acondicionar leite pasteurizado em embalagem “tetra pak”.

Ao se transformar em Alimentos da Bahia – ALIMBA- o antigo “Leite PAB” instalou no bairro de Valéria em Salvador uma indústria pioneira no Brasil em beneficiar o leite por esterilização, usando também embalagem “tetra pak”.

Para superar a situação do “leite clandestino”, foi necessário acontecer que o Professor Fúlvio Alice, eminente médico veterinário, assumisse a Secretaria de Agricultura e, junto com ele o também preclaro médico veterinário Ardson José Leal, empossado na Diretoria do Departamento de Promoção Agropecuária, ao qual estava afeto o setor de Inspeção de Produtos de Origem Animal, para que o assunto visse a ser sanado. Ao tempo em que a Prefeitura Municipal de Salvador determinava a extinção de estábulos leiteiros, face sobretudo ao alto índice de tuberculose, a Secretária de Agricultura, dentro da sua competência legal, combatia a comercialização do leite não pasteurizado vendido a granel, acabando a comercialização do “leite clandestino” a partir de 1966.

Desta fase em diante, pode na realidade entender-se, a possibilidade de que o Estado da Bahia viesse a ter um parque industrial de laticínios, vez que já em 1963 a ALIMBA requereu inspeção estadual, tendo sido o médico veterinário Edred Novaes Teixeira o seu primeiro inspetor, a partir daquele ano.

No âmbito federal não deve ser olvidada a participação do médico veterinário Antonio das Virgens Leal a nível do Ministério da Agricultura, implantando em bases sólidas o SIF tendo sido o Laticínios Rio Novo situado no Município de Ipiaú o primeiro a receber Inspeção Federal em caráter definitivo.

Por dever de reconhecimento deve ser lembrado o nome do médico veterinário Enos Vital Brasil, que em bases científicas e tecnológicas foi o grande responsável pela implantação da ALIMBA, sendo o primeiro Responsável Técnico de uma indústria de produtos lácteos na Bahia, enquanto a Escola de Medicina Veterinária da UFBA começava a preparar profissionais competentes para tão importante segmento Agroindustrial.

Atualmente o Parque Industrial de Laticínios da Bahia, conta com 31 estabelecimentos sob inspeção federal, 140 sob inspeção estadual dedicados a numerosas especialidade da indústria láctea, procurando aproveitar a produção de leite do Estado da Bahia e em busca de sua auto suficiência no setor.

 

* Acadêmico Titular Fundador da ABAMEV

**Médico veterinário da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, A. O problema do abastecimento de leite de Salvador. Salvador: Comissão de Planejamento Econômico,1961. 32 p.

ANDRADE, S. N. de DOREA, U. MARTINS, D. Sistema Agroindustrial do leite na Bahia. Salvador: SEBRAE, 1998 – 28 p.

BAHIA. Secretaria de Agricultura Irrigação e Reforma Agrária. A pecuária leiteira na Bahia. Salvador, 1991. 53 p.

SEBRAE. Diagnóstico do agro negócio do leite na Bahia. Salvador, 2000. 114p.

FREITAS, H.B. O abastecimento de leite para Salvador: Salvador: Comissão de Planejamento Econômico, 1957. 47p.

GOMES, S. T. Proposta para o desenvolvimento da pecuária de leite na Bahia. Salvador: Federação da Agricultura do Estado da Bahia, 1995. 29 p.

SEBRAE. Pré-diagnóstico da cadeia agroindustrial do leite na Bahia. Salvador, 2002. 80p.