SOBRE A CRIAÇÃO DA ESCOLA DE MEDICINA VETERINÁRIA DA BAHIA.

A criação de uma Escola de Medicina Veterinária no Estado da Bahia foi registrada e minuciosamente descrita pelo Professor Geraldo Cezar de Vinháes Torres em seu memorável livro “Historia da Escola de Medicina Veterinária da Universidade Federal da Bahia”, editado em 2004.

O seu trabalho de pesquisa de iniciativas de criação de Escolas de Veterinária remonta ao período colonial e imperial. Primeiro foi a “Carta Regia” do Príncipe regente D. João mandando instalar um Curso de Veterinária na Bahia, junho ao já criado Curso de Agricultura. Não vingou. A segunda tentativa foi do Imperador D. Pedro II, em 1877, ao oficializar o Instituto Baiano de Agricultura no qual previa na sua programação cursos de Agronomia, Silvicultura e Veterinária o que no referente à Silvicultura e Veterinária não prosperaram. Outra iniciativa foi a do Interventor Federal na Bahia em 1942, o qual por Decreto Lei criou em 1942 o Curso de Veterinária na já existente Escola de Agronomia.

Contudo, o Professor. Geraldo deixou de registrar o documento elaborado pelo Professor Fúlvio José Alice, então Diretor do Instituto Biológico da Bahia, que sob a forma de “exposição de motivos” foi encaminhado ao Dr. Antonio Nonato Marques, Secretário de Agricultura, Indústria e Comércio do Estado da Bahia, em 14 de fevereiro de 1951, pedindo a criação de uma Escola de Medicina Veterinária na Bahia. O fato levou o Dr. Antonio Nonato Marques a elaborar, dentro das considerações do Dr. Fúlvio, em histórico documentário datado de 15 de maio daquele ano, uma minuta de ante projeto de Lei minuciosamente detalhada.Por intermédio do governador Luis Regis Pacheco Pereira, chegou este documento à Assembléia Legislativa do Estado da Bahia e transformou-se na Lei 423 de 20 de outubro de 1951 que criou a então Escola de Medicina Veterinária da Bahia.

O citado documento, que por extravio deixou de ser registrado no livro em questão, é de suma importância e o transcrevemos na integra marcando assim o seu valor histórico.

Tais informações evidentemente deveriam ser levadas a público.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS AO SECRETÁRIO DE AGRICULTURA INDÚSTRIA E COMÉRCIO APRESENTADA PELO MÉDICO VETERINÁRIO FULVIO JOSÉ ALICE SUGERINDO A CRIAÇÃO DE UMA ESCOLA DE MEDICINA VETERINÁRIA NA BAHIA”.

Salvador, 14 de fevereiro de 1951.

 

Exmo. Sr. Secretário da Agricultura, Indústria e Comércio.

Dr. Antonio Nonato Marques

 

Movido pelo intento de prestar modesto concurso à administração de V. Excia, em que se firmam propósitos decididos de solucionar graves problemas agro-pecuários do Estado da Bahia, peço vênia para oferecer uma modesta sugestão, em torno da criação de uma Escola de Medicina Veterinária neste Estado.

De algum tempo, nota-se, no país, um interesse crescente em relação aos assuntos ligados à Agricultura e Pecuária. Providências várias vêm sendo tomadas no sentido de melhorar nossa Produção Animal e de assegurar à população, mais abundantes abastecimentos de víveres.

Infelizmente, enquanto se procura desenvolver a Pecuária em nosso Estado, através de aquisição de reprodutores, de instalações de estações experimentais para a seleção de diferentes espécies e raças, possui a Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio - órgão supervisor das atividades ligadas à Agricultura e à Pecuária - um único veterinário em seu quadro.

Não significa isso, entretanto, um desinteresse administrativo, nem reconhecer inutilidade da profissão, mas, ao contrário, a dificuldade de obter o Estado número bastante desses técnicos para atender às suas necessidades. No quadro respectivo da S.A.I.C. há 30 vagas. Além disto, outras instituições particulares, indústrias e Prefeituras Municipais, ressentem-se de falta dos referidos técnicos.

O nosso Estado oferece, atualmente, condições para manter em atividade calculadamente trezentos veterinários. Aliás, o que ocorre presentemente na Bahia, em relação à dificuldade de veterinários ocorre também em outros Estados.

Nos dias atuais a atenção da Medicina Veterinária é decisiva e preponderante no que toca a certas atividades ligadas à Pecuária, à Saúde Pública, à Indústria de produtos de origem animal e biológicas. A ela, estão estreitamente vinculadas uma boa parte do processo econômico, sanitário e científico das Nações. Uma das mais ricas e promissoras indústrias - as indústrias de carnes, leite e derivados - não poderão subsistir sem veterinários. A ação do veterinário, neste setor, é de dupla significação: como inspetor, assegurando ao consumo produtos puros e de real valor nutritivo, desta forma salvaguardando a saúde humana, e como supervisor e orientador dos processos de elaboração e conservação de produtos de origem animal.

A Defesa Sanitária Animal e a Biologia Animal - atividades privativas de veterinários - constituem os meios de garantir o desenvolvimento dos rebanhos, já pela aplicação de medidas capazes de combater as diferentes doenças, já pela investigação a que procedem, no intuito de esclarecer os diferentes problemas. À Zootecnia os veterinários têm prestado valiosas contribuições. O conhecimento da Patologia Animal coloca o veterinário, neste setor, em plano privilegiado. A indústria de produtos medicamentosos para uso animal, pode unicamente ser orientada por veterinários. Finalmente, nas ciências médicas, não têm sido poucas nem menores as contribuições de veterinários para salvaguardar a saúde do homem. O desenvolvimento e estudos intensivos de métodos profiláticos e curativos aplicados aos animais, têm ensejado meios de controle de enfermidades humanas.

Os prejuízos sofridos pela Bahia, sob vários aspectos no campo da Pecuária, são incalculáveis. A mortalidade de bezerros nas fazendas constitui um dos principais obstáculos à evolução da produção bovina e é responsável, em grande parte, pela carência de carnes nos centros populosos. Nossa produção de banha, de salsicharia, de ovos e frangos é reduzida, em conseqüência da falta de conhecimento de métodos higiênicos de criação, de profilaxia e de assistência veterinária. A indústria de carnes e lacticínios é incipiente e sem significado econômico - ao passo que constituem um dos maiores escoadores da nossa economia para os mercados do Sul do País. Anualmente importamos centenas de milhares de cruzeiros em Produtos de Origem Animal, e que apresenta tendências para se avolumar com o crescimento da população.

A pecuária constitui, inquestionavelmente, uma fonte de grande valor econômico. Aperfeiçoar e defender os rebanhos, pesquisar os meios de exploração rendosos, conhecer, prevenir, eliminar as doenças que atacam aos animais, de maneira a reduzir ao mínimo as suas perdas, animar a Indústria de Produtos de Origem Animal - o que vale dizer, estimular essa fonte econômica, deve constituir preocupação primordial dos órgãos ligados á pecuária.

Fomentar o desenvolvimento da pecuária, aperfeiçoar as raças e espécies animais, no sentido de produção rápida e valorização comercial e incentivar e amparar a indústria de produtos de origem animal são medidas que requerem meios de assistência técnica especificada, sem o que seria expor à graves prejuízos o Estado e os interesses da pecuária.

As Escolas de formação de veterinários estão localizadas no sul do País. Os graduados encontram, nesses Estados, condições técnicas, científicas e industriais ótimas, não se sentindo, por isso, atraídos para o Norte. A criação de uma Escola de Medicina Veterinária na Bahia, seria o meio mais seguro de solucionar a carência desses profissionais e remover as falhas decorrentes da mesma. Assim, estaríamos em condições de possuir técnicos em número suficiente, já oferecendo oportunidades aos jovens do Estado, que ligados a interesses locais poderiam aqui permanecer mais facilmente, já atraindo estudantes dos Estados do Norte os quais também se ressentem da escassez de profissionais veterinários.

Uma Escola de Veterinária traria, certamente, ônus para os cofres públicos, mas se considerarmos a necessidade da profissão, esse motivo não deve ser levado em conta. Será um encargo que produzirá largas compensações. Um “acordo” entre o Governo da União e do Estado, poderia solucionar facilmente a idéia. O Estado doaria a área necessária, concorrendo para as edificações e assegurando uma subvenção anual. A União encarregar-se-ia das instalações e restantes obrigações relativas ao custeio do estabelecimento.

A situação da Bahia, no particular de seus problemas agro-pecuários e a relação com a Assistência Veterinária é, pois, de apreensões. A carência de veterinários só poderá agravar cada vez mais essa situação para os que vem concorrer às vantagens econômicas, relativamente a vencimentos oferecidos pelo Ministério da Agricultura, vivamente interessado em completar o seu desfalcado quadro, e a Secretaria de Agricultura de outros Estados. Assim, a solução única para o caso seria a da criação de uma Escola de Técnicos no Norte do País, para o que está a Bahia, dada a sua posição geográfica, em situação privilegiada, e naturalmente indicada, em virtude de ser um dos Estados de maior população animal do País.

Nas expectativas de que mereça acolhimento a idéia que tenho a honra de oferecer à apreciação de V. Excia., apresento homenagens de alto apreço e distinta consideração.

 

 

Assinado Fúlvio José Alice

Médico Veterinário

 

*Acadêmico Titular Fundador da Academia Baiana de Medicina Veterinária.