A PRESENÇA DO MORMO EM SALVADOR NO FINAL DO SÉCULO XIX*

Manuel Dias de Moraes em sua tese de doutorado “O Mormo no Homem”, apresentada perante a Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia em 1895, fez uma excelente explanação histórica da enfermidade.

Durante toda a existência da enfermidade, sempre foi ela uma zoonose do tipo antropozoonose comum nos eqüídeos, produzida pelo bacilo hoje chamado Burkholderia mallei, caracterizada por ulcerações na mucosa nasal, múltiplos nódulos subcutâneos, linfadenite e, se transmitida ao homem, quase sempre é fatal.

O autor afirma ser o mormo “uma das mais terríveis doenças que podem ser transmitidas do animal ao homem e o seu prognóstico é em geral muito grave”.

No homem, descreve ele: a doença é caracterizada por “Coryza com secreção purulenta e sanguinolenta muito abundante, erupção pustulosa da pele e muitas vezes também tumores pustulentos, lymphativos e pustulosos na superfície da pele”.

O autor faz diversas considerações, despertando a atenção de que a doença nos humanos se apresenta nas pessoas que mantêm contacto com os eqüídeos como os cavalariços, carroceiros, veterinários e soldados de cavalaria.

Busca ainda o pesquisador a “sinonímia da moléstia” denominado-a também como: malleus, morbis humidus, capitis morbis, bem como de outra enfermidade chamada de morbus farcini mosus, vermis morbus, vermis volutivus, farcina equis, tamtac cútis equorum e glandulae escurfulae equi, chamada de farcino e que já tinha sido constatada ser o próprio mormo.

Apesar do caráter zoonótico da enfermidade, prossegue ele, o médico veterinário Lafosse, em 1749, na França, negou firmemente a transmissibilidade do mormo ao homem, o que, segundo o autor, levou a outros interessados como o hipólogo Claude Bourgelat a se posicionar a favor dos veterinários Grassault e Vitet, que mantinham a afirmativa de ser o mormo uma zoonose.

Lembra o autor da tese que na sua revisão bibliográfica foi encontrada a orientação dos grandes veterinários franceses Gaspar de Saunnier, Jean Garssault, Chabert e Vilet que recomendaram “por considerarem o mormo incurável e sua transmissibilidade ao homem, serem todos os animais suspeitos e portadores do mal sacrificados”.

Prossegue, afirmando que são causas de disseminação da bacteriose: a falta de conhecimento por parte dos criadores da sua periculosidade; aumento dos animais de tração que substituíram a mão-de-obra escrava; o crescimento da população humana nas cidades juntamente com a de eqüídeos; a falta de cuidados sanitários; a criação de animais em lugares insalubres e a falta de quem faça o diagnóstico diferencial com outras moléstias.

Finaliza citando dois casos de óbito causados pelo mormo no homem na cidade de Salvador. O primeiro, em 1889, um negociante de cavalos, que mordido por um deles, veio a falecer quatro dias após o diagnóstico efetuado pelo Professor Braz do Amaral. O segundo em 1892, acometeu um operário do curtume, falecido seis dias após ser identificada a doença pelo Professor Juliano Moreira. Comenta concluindo, ser a falta de diagnósticos bem embasados e os casos desconhecidos, sobretudo no interior do Estado, a não anotação de maiores ocorrências.

 

* Apresentado no 34º Congresso Brasileiro de Medicina Veterinária, Santos, 2007.

** Acadêmico Titular Fundador da ABAMEV

***Médico veterinário da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia.